segunda-feira, novembro 28, 2005

a primeira das migrações

Um dia, mamãe chegou para mim e disse que a gente ia se mudar.

- Mas mamãe, o que é mudar?
- Mudar é sair de onde a gente está e ir para um lugar novo, minha filha.
...
- E como a gente vai levar a casa?
- A casa não vai, Lice. A casa fica, a gente é que vai.
...
- Mamãe..
- Que foi?
- E a minha boneca, eu posso levar?

Foi assim que a princesinha destronada foi expulsa de seu pequeno ex-reino.

quinta-feira, novembro 24, 2005

in memorian

E alguém pergunta, do meio dos edifícios da São Paulo distante:
- Mas Clarice, que mal lhe pergunte, que memória é essa que você tem?
E Clarice, vagando incerta num dos ônibus depredados de Recife, pára e pensa.


* * *


Do Latim, Memoria. Substantivo feminino. Faculdade de conservar e reproduzir as ideias, imagens ou conhecimentos anteriormente adquiridos; a lembrança de qualquer coisa ou alguém; reminiscência; aptidão para recordar especialmente certas coisas; conjunto de funções psíquicas pelas quais temos consciência do passado como tal, que inclui a fixação, a conservação, a lembrança e o reconhecimento dos acontecimentos.

Se a memória fosse feita apenas pelas lembranças reais, ela não seria um décimo do que realmente é. A parte mais interessante da memória é o fato de que nós não simplesmente a temos; nós a criamos a cada momento, a partir das experiências, dos acontecimentos, das visões, das concepções de mundo que carregamos. Como uma colcha de retalhos: alguns dos retalhos são verdadeiros, outros são parecidos e por isso acabam se interligando.

Quando vejo fotos e escutos histórias, eu estou criando lembranças a respeito dos acontecimentos. Por isso, eu posso me lembrar de fatos que não presenciei, e ainda assim manter uma memória visual a respeito deles. Posso também lembrar dos fatos não exatamente da maneira que aconteceram, mas sim através dos filtros das minhas concepções de mundo.

E mesmo quando me lembrar de coisas que realmente vivenciei, o tempo irá se encarregar de alterar a forma e o conteúdo. A briga vai parecer menos grave, mais tola. A infância vai parecer mais alegre. A festa vai parecer maior. O grande amor vai parecer mais belo. A decepção vai se tornar superável. A gente vai aparando as pontas, limpando as manchas, tirando a poeira e retocando as cores. Nos tornamos autores das nossas próprias histórias.

quarta-feira, novembro 23, 2005

usurpadora dourada

Fui destronada no dia em que a minha irmã nasceu. Para ser sincera, acho que nunca me recuperei desse golpe.

Mariana era um bebê todo dourado. Cabelos dourados e cacheados, brincos e pulseiras dourados. E até os olhos, primeiro azuis e depois verdes, acabaram (ai de mim!) dourados. Nem parecia minha irmã, já que eu tinha olhos e cabelos muito pretos desde o primeiro momento, e nunca me atraí muito por essas coisinhas que brilham. A vida tem mesmo essas ironias.

Quando Mariana chegou em casa, eu tive vontade de estrangulá-la. Eu sempre fui ciumenta, e a simples possibilidade de vir a dividir meu quarto, minha babá e minha mãe com aquele serzinho brilhante me incomodavam até o fundo da alma. Quanto a dividir meu pai, bem, isso não fez muita diferença. Meu pai não foi exatamente uma presença na minha infância. Logo, se a invasora quisesse ficar com ele, ele era todo dela.

A crise foi tão grande que comecei a fazer de tudo para chamar a atenção de mamãe. Um dia, ela me disse que queria que eu parasse de usar chupetas. Cristina entrou em desespero quando me viu jogando todas as preciosidades multicores no vaso sanitário da casa. Desceram descarga abaixo. Mamãe ficou tão feliz que me deu uma boneca do meu tamanho de presente. À noite, eu me abracei com ela e chorei com saudades das minhas chupetas.

Já lhes falei do meu aniversário de 3 anos? É o primeiro de que me lembro. Eu nasci em meados de fevereiro, Mariana no iníco de março. Para facilitar, mamãe fazia uma única festa. Essa, em especial, foi um baile à fantasia. Mamãe me vestiu de bailarina e me deu confetes e serpentinas. Mariana, que ainda não andava (de preguiçosa que era) ficou ostentando sua roupa de colombina nos braços de Cristina. Eu corri, dancei, pulei e ri (silenciosamente) da menina medrosa que chorava o tempo todo. "Crianças", pensava, de toda a altura dos meus 3 anos recém completados.

Mas minha irmã era mesmo uma preguiçosa. Nós tinhamos uma prima que havia nascido 10 dias depois dela, e por isso as duas viviam juntas e ficavam sempre no mesmo quadrado de madeira. Eu lembro de ficar observando as duas quando não tinha nada mais interessante para fazer nas tardes de semana. Marina, minha prima, se esforçava e se esticava toda para alcançar os brinquedos pendurados no quadrado. Dava tanta pena que eu seria capaz de ajudar, se tivesse altura suficiente para isso. E então, quando a lutadora finalmente conseguia, chegava a ladra. Mariana, que não movia um dedo atrás dos peduricalhos simplesmente virara para Marina e tomava o prêmio para si. Uma verdadeira usurpadora precoce!

Meus primeiros anos com aquela invasora foram assim: críticos. Mas é verdade que a idade aproxima as pessoas, e com o tempo, Mariana se tornaria (vejam só) uma amiga.

segunda-feira, novembro 21, 2005

sobre meu curto reinado

Uma semana sem postar. Na verdade, um pouco mais. Mas tantas coisas se atropelaram nesses últimos dias que o blog foi relevado ao segundo planp novamente.

Um feriado prolongado que mais pareceu férias, dada a situação de cansaço em que eu me encontrava. Uma semana curta, curtiiinha, com milhões de coisas para resolver, pesquisar, decidir, assinar e começar. E, mais recentemente, um namorado doentinho para mimar e tomar conta. Simples assim.

Mas, voltando ao objetivo inicial, a autobiografia semi-verídica. Onde era que estávamos mesmo? Ah, claro! Eu nasci.


* * *


Hoje em dia, olhando as fotos dos álbuns, eu entendo por que eu tenho instintos homicidas contra meus irmão e por que o fato de ser irmã mais velha me irrita tanto. Durante dois anos, eu fui a rainha do lar. E quem foi rainha nunca perde a majestade..

Quando eu nasci, papai e mamãe moravam num apartamento pequenininho, no terceiro andar de um prédio chamado Lagoa do Abaeté. Esse foi um dos poucos projetos do meu pai como engenheiro (ele fez parte daquela geração em que todos os homens se formavam em engenharia e nenhum exercia de fato). Era um prédio baixinho, não chegava à 10 andares. No pilotiz tinha uma parquinho daqueles de madeira: uma casinha colorida com escadas (meu primeiro castelo de contos de fada), escorregos, balanços e gangorras. E haviam umas plantinhas junto do muro que pareciam com pés de papoulas, mas arranhavam quem encostava nelas. Eu odiava aquelas plantas com cara de sentinelas..

Não vou mentir dizendo que lembro dos detalhes daquela casa. Não lembro de quase nada, e o pouco que me restou vem em flashes desconexos e descontínuos, como memórias que foram construídas depois de anos e anos ouvindo as mesmas histórias.

Lembro que na sala estavam os mesmos sofás escuros que estão na minha casa hoje. E que no chão havia um tapete felpudo onde eu rolava, brincava de boneca e assistia o Xou da Xuxa. No meu quarto tinha um berço, uma cama e uma cadeira. Eu comecei a andar me segurando nas madeiras desses móvei. Mamãe quase teve um enfarto nesse dia. No quarto da minha mãe e do meu pai havia uma cama de casal que parecia cobrir toda a cidade do Recife, e quando eu deitava nela era como se o mundo inteiro parasse e nada de ruim pudesse me acontecer (até hoje, quando eu tenho medo ou sinto aquela tristeza insuportável me consumir, eu deito na cama da minha mãe e me esqueço de mim). Uma vez, quando eu tinha uns 4 anos, tive febre forte por três dias. Minha mãe me deixou deitada no quarto dela, assistindo à TV que ficava suspensa numa estrutura metálica, e fez com que Cristina me trouxesse água de coco e suco de limão de meia e meia hora. Eu quase desejei que continuasse doente por mais alguns anos, esparramada naquela ilha imperial e cercada de mordomias por todos os lados..

Mas a parte da qual eu mais me recordo é a varanda. A varanda daquele apartamento tinha grades pretas e grossas. Nas tardes de sexta e sábado, mamãe sentava comigo no chão e ficava mostrando os carros, as senhoras com seus cachorrinhos, as lojas e os aviões que passavam. Ela ainda tinha cabelos longos e cara de menina, e os olhos dela ainda brilhavam cheios de alegrias e sonhos. Depois, ela desenrolava a rede muito branca que ficava pendurada no canto esquerdo, deitava comigo e me fazia dormir. Eu encaixava a cabeça no colo de mamãe e sonhava com coisas felizes.

Fui a princesinha da minha casa até os dois anos.

sexta-feira, novembro 11, 2005

mamãe, papai e eu

A minha história começa como a de qualquer pessoa: antes, muito antes de eu nascer.

Era uma vez mamãe. Ela morava em apartamento grande e ventilado, distante 1 quarteirão da praia de Boa Viagem. Moravam na casa minha avó, minha madrinha e meus dois tios. Meu avô morreu quando mamãe tinha 11 anos e, por isso, tudo o que eu conheço dele vêm através de relatos confusos (um cafajeste, calhorda, ordinário [segundo minha avó] dono do sorriso mais doce do mundo [como diria mamãe]). Como mamãe era a filhinha caçula, sempre saía acompanhada do irmão do meio. Enquanto eles eram adolescentes, valia o velho esquema do você-pra-lá-eu-pra-cá-e-à-meia-noite-a-gente-se-encontra. Mas, como o tempo e a idade se encarregam de aproximar as pessoas, um belo dia eles começaram a sair em conjunto.

Num desses belos dias, mamãe conheceu papai.

Papai morava numa casa E.N.O.R.M.E. em Casa Forte, no outro lado da cidade. Junto com ele, viviam, vovô, vovó, cinco irmãos e uma irmã. A grande família, em todos os sentidos possíveis e imagináveis. Papai (diz que) era um garoto bonitão e popular. A parte do popular é totalmente verossímil: papai sabe ser legal quando quer. já a parte do garoto bonitão fica à cargo da imaginação (dele). Num lugar qualquer dessa vila chamada Recife (que, há 22 anos atrás devia ser vilarejo) papai conheceu meu tio do meio.

E através do meu tio do meio, papai conheceu mamãe.

Papai e mamãe começaram a namorar no dia 24 de junho de 1982. Noite de São João. Uma vez eu vi uma foto deles vestidos de matutos abraçados no meio de uma quadrilha. Não sei se a foto data de 1982, mas pra mim, aquela é a segunda foto mais linda do mundo. Mamãe e papai nunca sorriram tão felizes como naquele dia.

(pequeno salto no tempo)

Já a foto mais linda do mundo data de 7 de fevereiro de 1985. Mamãe 20 anos mais nova, com o cabelo escuro, liso e comprido solto nas costas e um vestido de noiva que ela guarda escondido em algum canto da casa. Papai de terno preto, fitando o nada, com cara de quem atingiu o nirvana pela primeira vez na vida.

(pequeno salto no tempo, versão 2.0)

Na madrugada de 14 de fevereiro de 1987, mamãe acorda sentindo as contrações. Papai, que nunca teve jeito pra lidar com situações de emergência não deve ter calculado o que fazer. Imagino que ele deva ter ficado 15 minutos perguntando o que ela tinha e o que queria, até mamãe gritar pro quarteirão inteiro ouvir que ele ligasse o velho gol e fosse embora dali JÁ. (Pausa. Alguém já viu aquele comercial que mostra as várias fases do gol na vida das pessoas? Desde o primeiro momento o gol fez parte da minha vida! Por muito, muuuuito pouco eu não nasci nele.. Fim da pausa.) Papai levou mamãe pro Hospital Albert Sabin. Não tinha vaga. Levou pra outro. Nenhum leito. Chegou no Santa Joana. Nada. Até mamãe ameaçar ter o bebê na recepção assistindo a Sessão Coruja. Logo logo os enfermeiros deram um jeitinho..

(minúsculo salto no tempo, versão compacta)

Eu nasci às 5:45 da manhã. Foi o sol quem me deu boas-vindas à vida.

quinta-feira, novembro 10, 2005

prefácio

Estou devorando as páginas do Neruda em pequenas porções, 4 vezes ao dia. Que culpa eu tenho se o tempo não me dá um tempo, e pára pra descansar na esquina enquanto eu leio?


* * *


Depois de ler o livro, eu tomo consciência de como eu falo pouco de mim nesse blog. É que ele nasceu pra eu publicar os textos que me vinham a mente (vinham mesmo, pretérito imperfeito do indicativo do verbo vir. Até hoje não sei se escrevo ou se transcrevo, parece que nada disso saiu de mim. Mas enfim, se for começar a divagar sobre esse processo criativo esquizofrênico eu me perco e ninguém se encontra mais por aqui..). Eu nunca gostei muito de contar meu dia-a-dia, essa brincadeirinha de big brother virtual. Mas tem certas histórias que merecem ser compartilhadas..

Resolvi: a partir de hoje tem início minha autobiografia resumida e semi-imaginária. Espero que se divirtam. =)

terça-feira, novembro 08, 2005

no vácuo

No hall da faculdade eu lia meu Neruda despreocupada quando uma voz familiar me interrompeu. Era a amiga de um amigo meu, que conheci à poucos meses atrás, quando nos reunimos todos num encontro de jovens jornalistas e conversamos banalidades entre palestras e coffee breaks. A menina se aproximou com um sorriso sincero no rosto, me chamou pelo nome e perguntou por Paulinho.

Após 1 minuto de conversa, se viu forçada pelos compromissos a dar adeus. Aproximou o rosto do meu (naquele gesto tão familiar) e, entretanto, parou a poucos centrímetros da minha bochecha.

Estranhei. Senti o impulso natural de me jogar um pouco para o lado e forçar o contato, mas a surpresa me conteve com unhas e dentes.

A menina afastou-se e repetiu o mesmo gesto no lado oposto. Não me tocou, novamente. Sorriu, acenou e foi embora pelos corredores tenebrosos do CAC, me deixando para trás com o Neruda nas mãos e a sensação de que nem mesmo o ar ao redor encostava em minha pele. Por minutos, tateei o vácuo.

Ah, essa brasilidade que eu carrego e que me faz desejar o contato.. Que será de mim no dia em que, na rua fria de um país com sotaque estrangeiro, me negarem um abraço?

segunda-feira, novembro 07, 2005

divagando devagar

De repente, Novembro.

(O tempo não deixa nunca de me fascinar. É como se ele não existisse. Acho que o tempo não passa de uma invenção qualquer de nossas mentes, e sonho com segundos feitos de imaginação.)

Ainda ontem era carnaval. Hoje, vejo pisca-piscas nas ruas de uma cidade que começa a se vestir de Natal.


* * *


Semana passada rodei o mundo.
Nasci no Chile, debaixo da chuva incessante do extremo sul latinoamericano.
Vi o Pacífico. Não sei por que psicologia se explica isso, mas o Atlântico parece menos selvagem que o pacífico dos meus sonhos.
Atravessei Paris, Madrid, Maselha. Tomei o expresso do Oriente. Cheguei realmente ao Oriente.
Conheci Poetas com nomes estranhos dos quais nunca tinha ouvido falar. Um deles me pareceu familiar, um tal de Garcia Lorca. Não presenciei seu assassinato, mas quis chorar ao saber dele.
Vi uma revolução sangrenta acontecer na Espanha.
E então acordei.

"Confieso que vivi"
Leiam Neruda.


* * *


Segunda-feira

Meu Deus,
o domingo foi curto
e a semana é longa.
Há tanta coisa por fazer..
Atrasa o Sol um pouquinho
(só hoje)
e me dá mais uns minutos de sonho
antes de amanhecer.


* * *


paris et moi. peut-être..

You Belong in Paris
Stylish and a little sassy, you were meant for Paris.The art, the fashion, the wine, the men!Whether you're enjoying the cafe life or a beautiful park...You'll love living in the most chic place on earth.