in memorian
E alguém pergunta, do meio dos edifícios da São Paulo distante:
- Mas Clarice, que mal lhe pergunte, que memória é essa que você tem?
E Clarice, vagando incerta num dos ônibus depredados de Recife, pára e pensa.
* * *
Do Latim, Memoria. Substantivo feminino. Faculdade de conservar e reproduzir as ideias, imagens ou conhecimentos anteriormente adquiridos; a lembrança de qualquer coisa ou alguém; reminiscência; aptidão para recordar especialmente certas coisas; conjunto de funções psíquicas pelas quais temos consciência do passado como tal, que inclui a fixação, a conservação, a lembrança e o reconhecimento dos acontecimentos.
Se a memória fosse feita apenas pelas lembranças reais, ela não seria um décimo do que realmente é. A parte mais interessante da memória é o fato de que nós não simplesmente a temos; nós a criamos a cada momento, a partir das experiências, dos acontecimentos, das visões, das concepções de mundo que carregamos. Como uma colcha de retalhos: alguns dos retalhos são verdadeiros, outros são parecidos e por isso acabam se interligando.
Quando vejo fotos e escutos histórias, eu estou criando lembranças a respeito dos acontecimentos. Por isso, eu posso me lembrar de fatos que não presenciei, e ainda assim manter uma memória visual a respeito deles. Posso também lembrar dos fatos não exatamente da maneira que aconteceram, mas sim através dos filtros das minhas concepções de mundo.
E mesmo quando me lembrar de coisas que realmente vivenciei, o tempo irá se encarregar de alterar a forma e o conteúdo. A briga vai parecer menos grave, mais tola. A infância vai parecer mais alegre. A festa vai parecer maior. O grande amor vai parecer mais belo. A decepção vai se tornar superável. A gente vai aparando as pontas, limpando as manchas, tirando a poeira e retocando as cores. Nos tornamos autores das nossas próprias histórias.
4 Comments:
ainda assim sou desprovida de memorias de minha infancia :~ que tristeza...
mas é... nos somos autores de nossas historias. que belo :)
:**
ah, eu nem to entre predios, ta? tem um verde lindo do outro lado da rua.. :~
cade fofuxo amarelo?
a lhama? era uma lhama? devia ser..
whatever... cade? :~
ah, cuzcuz, era o nome...
Muito bem analisado. No campo da mente tudo pode ser moldado, igual aos sonhos. Isso é fascinante, mas ao mesmo tempo assustador. Não sabemos usar as ferramentas que temos e muitas vezes acaba dando confusão...
...e alegria. Concha de retalhos mesmo!
mas como poderia ser diferente? acho que, no final das contas, glosamos nossas próprias histórias, da qual somos os autores, que passam a quase que estórias, numa reautoria tendenciosa e nossa... mudando nos sonhos o que não pudemos no passado "real".
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