quarta-feira, dezembro 28, 2005

sorria, você está sendo observado.

Pausa temporária na autobiografia. O clima começou a pesar e eu me abstenho de continuar, por enquanto. Quero agora falar de algo que me aconteceu há 40 minutos atrás.


Lá vinha Clarice pelo seu caminho habitual de sempre. Não de carro, mas de ônibus. Se deu conta de que nunca havia pego um ônibus tão cedo em sua vida e parou para admirar a cidade sob a luz da manhã. Estivesse eu em um de seus dias comuns, talvez tivesse até apreciado a vista. Mas não estava. Estava de cara fechada e semblante pesado, muito embora não pudesse explicar o porquê. Talvez fosse por que era fim de ano (e fins de ano a deixam nervosa), talvez fosse por que estava atrasada, por que havia recebido um mensagem de "eu te amo" do namorado mas não podia lhe ligar para agradecer ou talvez fosse por motivos que ela mesma desconhecia (ou fingia desconhecer).

Desceu do ônibus e seguiu pela rua cabisbaixa. Ao chegar na beirada da calçada, sentiu a brisa de um carro que acelerou ao ver abrir o sinal. ("Droga de sinal, tinha que abrir agora?")

-Fomos barradas do baile.

Quem falava era uma senhora de uns cinquenta anos, com um vestido azul e sacolas pesadas nas mãos. Ela sorria da própria frase. Clarice devolveu o sorriso, mais por educação do que por vontade sincera de sorrir. E enfim, os carros passaram.

- Mas como nada é para sempre, nós continuamos.

A senhora disse, e sorriu de novo. Sorriu não, gargalhou a gargalhada mais feliz que Clarice poderia sonhar em ouvir ali, naquele ambiente tão inimaginável. Quase quis gargalhar também, mas se conteve e abriu outro de seus sorrisos, um dos mais sinceros desta vez.

Cominharam juntas uns 30 metros, a senhora gargalhando e Clarice sorrindo. Quando a segunda teve que virar a esquina, ouviu a vozinha feliz ao seu lado soltar as últimas palavras peroladas.

- A gente tem que levar a vida com bom humor, milha filha. Deus te abençoe.

A senhora não sabia, mas Clarice já havia sido abençoada.