terça-feira, novembro 25, 2003

curto circuito

Não tenho muito o que falar não.
Estou desde sexta no meio de um furacão chamado semana de provas. Sem intervalos, vale lembrar, pq eu tive vestibular domingo e segunda. To exausta! E, claro, sem tempo pra nada, nem pra escrever. N sei se já deu pra perceber, mas meu momento de tentativa de "escritora" é no meio das aulas chatas que eu não estou mais tendo.
Voltei a ficar meio melancólica... Altos e Baixos... Essa minha roda-gigante que está mais pra montanha-russa de 8 loopings e não-sei-quantos parafusos...
Mas a gente vai levando a vida. E uma hora ela se ajeita!

Esse texto eu escrevi numa das oficinas de literatura. Ficou legal, eu gostei, e como é o único que tá a mão agora, vai assim mesmo.

CURTO CIRCUITO

Início.
Amanhece um céu laranja.
É sangue vivo e vermelho.
Abrir os olhos e ver o mundo.
Sair à rua.
Andar, andar, andar, Andar.
Passam os carros, passam os pedestres, os cachorrinhos e suas donas, os longos fios das linhas telefônicas.
Passam.
Você passa.
Não há contato.
Quando não se tem aonde chegar, chega-se a qualquer lugar.
Pessoas, vozes, risos, rostos, atividades, ordens, uma dor latente, faça, fiz. Intervalo.
(O vazio inexplicável de um refeitório lotado.
A incrível distância entre duas cadeiras numa mesa.)
Toca o sinal.
Vá, volte, ande, mais pessoas, outras vozes, ruídos.
Rua.
Carros num engarrafamento.
Chegar (onde?).
Os ecos surdos da TV ligada.
Rostos que não dizem nada.
Cama.
A noite escura.
Olhos fechados e um silêncio tumular.
Nada.
É o negro de um céu de Fim de dia.
Ou de vida.

(O acaso vai me proteger enquanto eu andar distraída. O acaso vai me proteger... enquanto eu andar!)

quarta-feira, novembro 19, 2003

a medida de amar é amar sem medidas..

Descobri que gosto de gostar. Adoro a sensação de viver, de não saber, de querer, de sentir, de ser leve, de imaginar, de sonhar acordada, de sorrir como uma criança, de buscar um rosto, uma voz, um olhar, um sorriso, um perfume. Gosto de gostar.
Gostar é um abismo, tão escuro e tão profundo que em muitos inspira medo. Medo. Medo. Medo. Medo de quê? Medo que eu não tenho e não consigo entender.
Medo é um sentimento forte demais. o que eu sinto é receio. Não, talvez seja ainda menos. É um reflexo de tudo que já vivi e senti, e quis esquecer. É uma vozinha baixinha na minha cabeça me mandando pensar duas vezes antes de andar. Mas em mim ela quase não tem efeitos, pois não consigo escutá-la por mais que alguns instantes.
O abismo, que para os outros parece escuro e perigoso, é para mim um mistério, um desafio. E mistérios existem para serem desvendados. Desafios, para serem vencidos. Sensações, para serem sentidas. Situações, para serem vividas.
Sinto informar, mas sou um carro com defeito: onde todos têm o freio, eu tenho um acelerador. Eu me jogo de olhos vendados nisso tudo, e amo a sensação de cair no desconhecido. De flutuar. De ser leve, tão leve que se tem a doce ilusão de voar!
O que há no fundo disso tudo eu não sei, por que em cada abismo em que me arrisco encontro algo novo e surpreendente. Por que gostar, de uma certa maneira, é também um não-saber. É tentar descobrir, desvendar esse mistério eterno que chamam por aí de "amor".

(A medida de amar é amar sem medidas.)

segunda-feira, novembro 17, 2003

menininhas..


Esta é uma história quase verí­dica.
Qualquer semelhança com fatos recentes não é mera coincidência.
Metáforas a parte, a história do por-do-sol mais lindo de toda a minha vida!
E de todas as loucuras que eu pensei depois de vê-lo.

MENININHAS
16.11.2003

Era apenas a calmaria de uma tarde qualquer. Nada mais. Somente o silêncio.
Então... (Impulso) Queria ver o por-do-sol. Mas estava tão longe, tão distante. Precisava ver o por-do-sol!
(Impulso).
Peguei a primeira bicicleta e desembestei, sem nem pensar bem para onde ir. Estava indo para o Sol, que me atraí­a inexplicavelmente, como um imã.
Parei. De repente me lembrei de mil cenas da minha infância naquela mesma esquina. As mesmas árvores, as mesmas casas, e no oeste... um muro? Uma cerca-viva alta o suficiente para impedir que eu visse o Sol.
Desanimei.
Então foi que a vi. Uma menininha sorridente, estranhamente parecida comigo, como eu era no auge dos meus 8, 9 anos! E aquelas árvores nos convidavam a mais uma subida. Mais uma...
Escalamos a primeira. Havia outra na frente.
Corremos para a segunda. Havia um coqueiro.
Deslizamos como dois gatos pela terceira. Mas havia apenas nuvens no horizonte: o sol já se pôra? Fiquei como uma estátua, imóvel, paralisada. Tanto esforço por nada! Mas ela, ela sorria, sorria como se na sua ingenuidade soubesse de algo que eu em todo meu desespero sequer desconfiava.
Eis que um minuto depois, surge uma luz... Era o nosso Sol, escorregando majestoso, crescendo crescendo crescendo e caindo por trás do canavial e da savana no horizonte. Incendiando o mundo, sem consumi-lo nas chamas. Tudo era um só mar, dourado e vermelho!
Do mesmo jeito que surgiu, o sol se foi. Levou o fogo: do céu, da cana e da savana. E ficamos novamente à sós: eu e o Silêncio. Procurei pela menininha, mas já não a via.
Lembrei que tinha 16 anos. Percebi que estava a 4 metros do chão. Notei que havia esquecido da sainha de pregas que usava.
(Riso solto).
Só agora imagino o porquê desse desejo maluco. Acho, mas acho com um quê de certeza, que ou eu via esse por-do-sol ou morria de remorsos. E voltei sozinha, arrastando a bicicleta. Meus pés e mãos latejavam arranhados. Quem se importa? Arranhados, mas leves: leves como plumas! Os arranhões tiraram deles o peso morto do dia-a-dia e os encheram com o frescor de uma novidade.
No fim da rua me voltei mais uma vez, só para ter certeza de que a menininha não havia sido somente uma alucinação de alguém sem companhia. Nada. Abaixei os olhos.
(Sorriso).
Acompanhando minhas pegadas haviam outras, pequenas e leves. Parece que nunca estive só. Nem estarei.
E voltamos, arrastando a bicicleta.
Apenas
Eu, Eu mesma e o Silêncio.

(Um dia desses, num desses encontros casuais, talvez a gente se encontre. Talvez a gente encontre explicação...)

domingo, novembro 16, 2003

será que o que te faz bem é sempre bom?

Cheguei de Aldeia.
Hoje eh domingo, nem preciso comentar né?
Mas...
REVOLUÇÃO!
Hoje eu tô feliz!
To explodindo em mil risinhos incontroláveis.
To rindo por tudo como uma menininha.
E, cá entre nós: eu SOU uma menininha.
Uma menininha FELIIIIIIIZ!
(risinhos)

Falndo sério. Sei que eu devia ter postado aqui. Mas, como vcs já devem ter imaginado, em Aldeia não tem computador. Em compensação, tem um clima de inspiração incrí­vel. Escrevi até um continho. Protagonistas: eu e eu. Só pra variar.
Ficou bom. Amanhã eu digito e posto.
Agora, eu estive pulando aqui de fotolog em fotolog. Acabei indo parar não sei como, num totalmente desconhecido, mas perfeito! Vejam: www.fotolog.net/oddidols. O que me chamou a atenção não foram nem tanto as fotos, mas os textos. Fiquei babando...

Aí­ já viu né? Não resisti! Tive que postar esse texto aqui.

Será que o que te faz bem é sempre bom?

Ser livre, ou mesmo feliz, por alguns instantes.
Parar pra pensar.
Abrir mão do que você quer.
Deixar de lado o medo.
Acordar para a vida.
Lutar por você.
Novos horizontes.
Belos horizontes.
Parar.
Cinza tarde.
Cinzas.
Solidão.
Eu desejo estar perto de você.
Estou com saudade.
Abstinência.
Bem e mal.
Bom e ruim.
Seis ou meia-dúzia?
Gostar de outra pessoa.
Esquecer.
Uma última vez.
Confiar.
Deseje-me sorte.

Sabe o tatu? É, esse bichinho que você pensou mesmo. Quando o tatu se sente ameaçado, ferido, magoado, acuado, assustado, sozinho ou qualquer coisa do tipo ele se fecha numa bolinha incrivelmente dura. Ele se esconde. E fica. Fica. Fica mais um pouco. E quem vê, só vê a carapaça. Só vê a tristeza e o medo do tatu. O tatu fica lá dentro. Sufocado, medroso mesmo. Ouvindo o silêncio. Silêncio? Acho que passou... Então ele sai. Se abre novamente. Supresa: já passou. E o tatu segue... alegre. E inteiro. E novinho em folha.

As vezes, nós somos como o tatu.

Eu tenho sido um.

Acho que é hora de acordar. Por que já não está doendo mais. Por que eu sinto que há boas supresas me esperando do lado de fora.

quarta-feira, novembro 12, 2003

quarta-feira


Já falei muito sobre os meus (traumatizantes) domingos por aqui, mas nunca sequer mencionei as quartas-feiras. Talvez seja hora...
Não lembro quando começou, mas desde quase sempre quarta-feira foi dia de inglês na ABA. Tanto que aqui estou eu, mais uma vez, na minha terceira casa (só pra lembrar: Casa número 1, Colégio EQUIPE; Casa numero 2, minha casa "de fim-de-semana"). Fazendo o que? Além de (obviamente) aprende inglês e postar, absolutamente nada.
To morrendo de sono.
E de fome.
E quando chegar em casa vou ter que estudar.
Se você visse a minha cara agora, poderia se assustar.
Acho que não foi a toa que já ouvi três vezes a mesma pergunta: você está triste hoje? Triste não é a definição. Hoje eu NÃO estou triste mesmo. (Pausa: isso é um graaaande avanço. Já¡ era hora de parar com todas essas crises, largar tudo, jogar pro alto e abrir um sorrisão. Fim da pausa). Cansada me define melhor.
Sabe como é: quarta feira, depois de três dias (literalmente) na rua e faltando dois pro fim de semana. Acho que eu iria me realizar se estivesse em casa, desligasse isso e fosse ter looooooongas 10 horas de sono.
Por isso, acho que da próxima vez que eu ouvir que adolescentes nã£o fazem nada, alguém vai ouvir muito de mim. Mas muito mesmo.

("You never know what you realy can do until you try" - Essa é a frase de um dos quadros pelo corredor da ABA. Não sei bem por quê, mas eu tinha que postar...)

sábado, novembro 08, 2003

coragem


Não aguento mais tudo isso. Antes era eu que estava triste. Depressiva mesmo. Acho que eu ainda estou um pouquinho, mas a minha roda-gigante (é, eu já falei dela aqui) felizmente está começando á subir.
Aí, um belo dia eu acordo sorrindo e descubro que todos ao meu redor estão tristes. Acho que de tanto olhar pra mim, eu acabei esquecendo que cada um tem as suas dores. Mas não foi egoísmo. Foi esquecimento mesmo.
Cansei de tudo isso. Cansei de estar triste. Cansei de deixar os outros tristes com a minha tristeza. Cansei de ver quem eu gosto triste. Cansei tanto que botei tudo que estava me angustiando em segundo plano, e agora estou tentando por um sorrisos nos rostos de quem pra mim está em primeiro plano. E, nossa, como tem gente que pra mim está em primeiro plano!
Talvez eu não consiga. Mas não custa nada tentar. Li em algum lugar que o maior erro é não fazer nada apenas por que só pode fazer um pouco. Grande verdade!
Pra todos vocês. E pra mim também...

CORAGEM
08.11.2003

Esta é a semelhança entre o herói e o suicida.
Ambos são corajosos. Muito corajosos.

Quem se joga da janela tem a imensa coragem de encarar todo o medo de se atirar no desconhecido. De olhar de frente para dúvida do que é a morte. Tem a força de suprimir o próprio instinto de sobrevivência para por um fim definitivo em tudo.

Mas quem dá as costas para a janela tem a sublime coragem de enfrentar de cabeça erguida tudo o que o assusta. Olha no fundo dos olhos da maior das incertezas: o futuro. Tem força para dizer não á solução mais fácil por que se descobre tão mais forte do que supunha que busca a mais complicada das opções: viver.

O suicida teve a coragem para desistir.
O herói, para continuar.
Cabe a cada um de nós decidir entre esse ou aquele qual iremos ser.

quarta-feira, novembro 05, 2003

a solidão de não pertencer

Não sei o que tem acontecido comigo. Ou talvez eu saiba, mas não queira admitir. O que está acontecendo é que eu estou barrando em mim o que me aliviava. Sinto que não consigo mais escrever.
Não é bem por falta do que falar, eu continuo um redemoinho de pensamentos. Eles é que estão revoltados: simplesmente não saem. Acho que é excesso. Acho que estou sentindo demais. Talvez por isso eu não saiba nem mais por onde começar...
É, é excesso. Excesso de tudo: de alegria e de tristeza e de dor e de vontades e de amor e de sonhos e de decepções e de saudades e de vida! Tudo no superlativo, tudoaomesmotempoagora!
Estou me sentindo quase uma Clarice (a outra, aquela de quem eu já falei): perdi o jeito de ser gente, não sei mais como se é.
Vou, antes que comece a pular de um assunto ao outro com a mesma facilidade que minha mente age. E aí então ninguém vai entender mais nada...


PERTENCER
Clarice Lispector
(Trechos)

Um amigo meu, médico, assegurou-me que desde o berço a criança sente o ambiente. A criança quer: nela o ser humano, no berço mesmo, já começou.

Tenho certeza de que no berço a minha primeira vontade foi a de pertencer. Por motivos que aqui não importam, eu de algum modo devia estar sentindo que não pertencia a nada e a ninguém. Nasci de graça.

Se no berço experimentei esta fome humana, ela continua a me acompanhar pela vida afora, como se fosse um destino. A ponto de meu coração se contrair de inveja e desejo quando vejo uma freira: ela pertence a Deus.

Exatamente porque é tão forte em mim a fome de me dar a algo ou a alguém, é que me tornei bastante arisca: tenho medo de revelar de quanto preciso e de como sou pobre. Sou, sim. Muito pobre. Só tenho um corpo e uma alma. E preciso de mais do que isso.

Com o tempo, sobretudo os últimos anos, perdi o jeito de ser gente. Não sei mais como se é. E uma espécie toda nova de "solidão de não pertencer" começou a me invadir como heras num muro.

Se meu desejo mais antigo é o de pertencer, por que então nunca fiz parte de clubes ou de associações? Porque não é isso que eu chamo de pertencer. O que eu queria, e não posso, é por exemplo que tudo o que me viesse de bom de dentro de mim eu pudesse dar àquilo que eu pertenço. Mesmo minhas alegrias, como são solitárias às vezes. E uma alegria solitária pode se tornar patética. É como ficar com um presente todo embrulhado em papel enfeitado de presente nas mãos - e não ter a quem dizer: tome, é seu, abra-o! Não querendo me ver em situações patéticas e, por uma espécie de contenção, evitando o tom de tragédia, raramente embrulho com papel de presente os meus sentimentos.

Pertencer não vem apenas de ser fraca e precisar unir-se a algo ou a alguém mais forte. Muitas vezes a vontade intensa de pertencer vem em mim de minha própria força - eu quero pertencer para que minha força não seja inútil e fortifique uma pessoa ou uma coisa.

Quase consigo me visualizar no berço, quase consigo reproduzir em mim a vaga e no entanto premente sensação de precisar pertencer. Por motivos que nem minha mãe nem meu pai podiam controlar, eu nasci e fiquei apenas: nascida.

No entanto fui preparada para ser dada à luz de um modo tão bonito. Minha mãe já estava doente, e, por uma superstição bastante espalhada, acreditava-se que ter um filho curava uma mulher de uma doença. Então fui deliberadamente criada: com amor e esperança. Só que não curei minha mãe. E sinto até hoje essa carga de culpa: fizeram-me para uma missão determinada e eu falhei. Como se contassem comigo nas trincheiras de uma guerra e eu tivesse desertado. Sei que meus pais me perdoaram por eu ter nascido em vão e tê-los traído na grande esperança. Mas eu, eu não me perdôo. Quereria que simplesmente se tivesse feito um milagre: eu nascer e curar minha mãe. Então, sim: eu teria pertencido a meu pai e a minha mãe. Eu nem podia confiar a alguém essa espécie de solidão de não pertencer porque, como desertor, eu tinha o segredo da fuga que por vergonha não podia ser conhecido.

A vida me fez de vez em quando pertencer, como se fosse para me dar a medida do que eu perco não pertencendo. E então eu soube: pertencer é viver. Experimentei-o com a sede de quem está no deserto e bebe sôfrego os últimos goles de água de um cantil. E depois a sede volta e é no deserto mesmo que
caminho.

domingo, novembro 02, 2003

os certinhos e os seres do abismo


Mais um domingo... Que tédio! sextas e sábados eu nem comento né? É quase como se a gente vivesse os outros cinco dias da semana esperando esses dois chegarem. De segunda a sexta nunca falta o que fazer nem com quem falar, nem que seja pra reclamar do fato de ter que ir pro colégio. Mas domingos... domingos são domingos: a ressaca da alegria e a prévia do sufoco!
Esse post de hoje é um texto de um autor que eu simplesmente adoro! Fala sobre a minha segunda casa, que eu reclamo, reclamo e reclamo, mas no fundo eu amo!

Os certinhos e os seres do abismo
Luís Fernando Veríssimo

Era assim no meu tempo de freqüentador de aulas ("estudante" seria um exagero), mas não deve ter mudado muito. A não ser quando a professora ou o professor designasse o lugar de cada um segundo alguma ordem, como a alfabética – e nesse caso eu era condenado pelo sobrenome a sentar no fundo da sala, junto com os Us, os Zs e os outros Vs –, os alunos se distribuíam pelas carteiras de acordo com uma geografia social espontânea, nem sempre bem definida mas reincidente.

Na frente sentava a Turma do Apagador, assim chamada porque era a eles que a professora recorria para ajudar a limpar o quadro-negro e os próprios apagadores. Nunca entendi bem por que se sujar com pó de giz era considerado um privilégio, mas a Turma do Apagador era uma elite, vista pelo resto da aula como favoritos do poder e invejada e destratada com a mesma intensidade. Quando passavam para os graus superiores, os apagadores podiam perder sua função e deixar de ser os queridinhos da tia, mas mantinham seus lugares e sua pose, esperando o dia da reabilitação, como todas as aristocracias tornadas irrelevantes.

Não se deve confundir a Turma do Apagador com os Certinhos e os Bundas de Aço. Os certinhos ocupavam as primeiras fileiras para não se misturarem com a Massa que sentava atrás, os bundas de aço para estarem mais perto do quadro-negro e não perderem nada. Todos os apagadores eram certinhos mas nem todos os certinhos eram apagadores, e os bundas de aço não eram necessariamente certinhos. Muitos bundas de aço, por exemplo, eram excêntricos, introvertidos, ansiosos – enfim, esquisitos. Já os certinhos autênticos se definiam pelo que não eram. Não eram nem puxa-sacos como os apagadores, nem estranhos como os bundas de aço, nem medíocres como a Massa, nem bagunceiros como os Seres do Abismo, que sentavam no fundo, e sua principal característica eram os livros encapados com perfeição.

Atrás dos apagadores, dos certinhos e dos bundas de aço ficava a Massa, dividida em núcleos, como o Núcleo do Nem Aí, formado por três ou quatro meninas que ignoravam as aulas, davam mais atenção aos próprios cabelos e, já que tinham esse interesse em comum, sentavam juntas; o Clube de Debates, algumas celebridades (a garota mais bonita da aula, o cara que desenhava quadrinho de sacanagem) e seus respectivos círculos de admiradores, e nós do Centrão Desconsolado, que só tínhamos em comum a vontade de estar em outro lugar.

E no fundo sentavam os Seres do Abismo, cuja única comunicação com a frente da sala eram os ocasionais mísseis que disparavam lá de trás e incluíam desde o gordo que arrotava em vários tons até uma proto-dark, provavelmente a primeira da história, com tatuagem na coxa.

(Tem coisas que nunca mudam mesmo...)