segunda-feira, novembro 17, 2003

menininhas..


Esta é uma história quase verí­dica.
Qualquer semelhança com fatos recentes não é mera coincidência.
Metáforas a parte, a história do por-do-sol mais lindo de toda a minha vida!
E de todas as loucuras que eu pensei depois de vê-lo.

MENININHAS
16.11.2003

Era apenas a calmaria de uma tarde qualquer. Nada mais. Somente o silêncio.
Então... (Impulso) Queria ver o por-do-sol. Mas estava tão longe, tão distante. Precisava ver o por-do-sol!
(Impulso).
Peguei a primeira bicicleta e desembestei, sem nem pensar bem para onde ir. Estava indo para o Sol, que me atraí­a inexplicavelmente, como um imã.
Parei. De repente me lembrei de mil cenas da minha infância naquela mesma esquina. As mesmas árvores, as mesmas casas, e no oeste... um muro? Uma cerca-viva alta o suficiente para impedir que eu visse o Sol.
Desanimei.
Então foi que a vi. Uma menininha sorridente, estranhamente parecida comigo, como eu era no auge dos meus 8, 9 anos! E aquelas árvores nos convidavam a mais uma subida. Mais uma...
Escalamos a primeira. Havia outra na frente.
Corremos para a segunda. Havia um coqueiro.
Deslizamos como dois gatos pela terceira. Mas havia apenas nuvens no horizonte: o sol já se pôra? Fiquei como uma estátua, imóvel, paralisada. Tanto esforço por nada! Mas ela, ela sorria, sorria como se na sua ingenuidade soubesse de algo que eu em todo meu desespero sequer desconfiava.
Eis que um minuto depois, surge uma luz... Era o nosso Sol, escorregando majestoso, crescendo crescendo crescendo e caindo por trás do canavial e da savana no horizonte. Incendiando o mundo, sem consumi-lo nas chamas. Tudo era um só mar, dourado e vermelho!
Do mesmo jeito que surgiu, o sol se foi. Levou o fogo: do céu, da cana e da savana. E ficamos novamente à sós: eu e o Silêncio. Procurei pela menininha, mas já não a via.
Lembrei que tinha 16 anos. Percebi que estava a 4 metros do chão. Notei que havia esquecido da sainha de pregas que usava.
(Riso solto).
Só agora imagino o porquê desse desejo maluco. Acho, mas acho com um quê de certeza, que ou eu via esse por-do-sol ou morria de remorsos. E voltei sozinha, arrastando a bicicleta. Meus pés e mãos latejavam arranhados. Quem se importa? Arranhados, mas leves: leves como plumas! Os arranhões tiraram deles o peso morto do dia-a-dia e os encheram com o frescor de uma novidade.
No fim da rua me voltei mais uma vez, só para ter certeza de que a menininha não havia sido somente uma alucinação de alguém sem companhia. Nada. Abaixei os olhos.
(Sorriso).
Acompanhando minhas pegadas haviam outras, pequenas e leves. Parece que nunca estive só. Nem estarei.
E voltamos, arrastando a bicicleta.
Apenas
Eu, Eu mesma e o Silêncio.

(Um dia desses, num desses encontros casuais, talvez a gente se encontre. Talvez a gente encontre explicação...)